quinta-feira, 12 de abril de 2012

O tantrismo e o amor



O amor é uma espécie de suicídio. Amar é essencialmente desejar ser amado.
                                                                                                                                                       Jacques Lacan
Há alguns anos atrás uma espécie de acaso me pôs no caminho de uma experiência que me marcou para sempre. Vivi junto com minha mulher (a esta altura ex) uma crise conjugal, e já não éramos um casal tão jovem...  E não me diga que isso é comum. Porque é sim, mas e daí? Nosso filho, que já não é vivo, e nossas duas filhas haviam nascido e cada um de nós já se submetera a um tratamento psicanalítico e por conta dessa crise procuramos a ajuda de uma psicanalista, especializada em terapia de casais – embora esse tipo de tratamento esteja fora do âmbito da psicanálise.
Era uma época em que a psicanálise, assim como as psicoterapias em geral, gozava de grande credibilidade. As sessões seguiam seu curso de um modo que me faziam crer em bons resultados. E é bom que se diga desde já, terapias de casal não conduzem necessariamente a uma reconciliação, como fez questão de deixar claro a terapeuta. O propósito é esclarecer, deixar claro para ambos, que a relação conjugal é viável, ou não. Para o quê ambos deveriam se esclarecer entre si e para cada qual sobre essa viabilidade. Ou inviabilidade.
Não me lembro exatamente quando, mas numa certa altura a terapeuta, em momento de picardia explícita, nos recomendou um exercício. Deveríamos usar um certo tipo de sais de banho, um óleo de aroma forte, e deveríamos cada qual na sua vez espalhá-lo pelo corpo nu do outro, com suavidade, massageando o outro. Demoradamente. Buscando e descobrindo o outro em seus detalhes mínimos, em seus vãos e desvãos, uma verdadeira redescoberta dos parceiros.
Fez, no entanto, uma ressalva em tom de advertência.  Não deveríamos nos deixar levar e praticar sexo.
Simplesmente não foi possível resistir a uma circunstância fortemente erotizante. Daí... Bom, a interdição foi desrespeitada em todas as ocasiões que seguimos a “prescrição médica”, sem exceção. E somente muitos anos mais tarde pude me aperceber que o exercício prescrito se não fora suscitado por algum tipo de associação ao tantrismo, poderia mesmo assim ser atribuído a uma grande co-incidência. Desfeito o casamento adotei como regra esta prática de modo pouco, digamos, tântrico... uma vez que os efeitos sobre ambos era mais do que poderoso. Era de êxtase  “puro”.
É claro que a experiência foi prazerosa e resultou inicialmente numa retomada do interesse mútuo, mas levou a uma consequência insidiosa, oculta. Na verdade, a experiência foi praticada de modo equivocado.
Mas qual a relevância dessa questão?
A psicanálise, como se sabe, dá especial relevância à sexualidade e a constatação vem de afirmação feita por Jacques Lacan, quanto à inexistência da relação sexual . Lacan é conhecido por suas frases curtas e de efeito surpreendente. Entre outras, a mulher não existe, o amor é dar algo que não se possui e, para aqui, não existe relação sexual. 
Emprega-se a palavra amor para expressar um sentimento em relação a alguém ou a alguma coisa. Por este motivo existem inúmeras definições para a palavra amor. Aliás, existe até mesmo algo como uma escala ou classificação do amor segundo a natureza e o objeto do amor. Refiro-me aqui à escala ou classificação que segundo a natureza e objeto do amor se divide em eros – constituído no plano físico, psique – constituído no plano espiritual, ludus –que visa o prazer lúdico, storge – constituído no plano da afeição, pragma – constituído no plano pragmático, por visar à necessidade, mania – que se constitui como paixão ou mesmo obsessão, e agape – constituído no plano da solidariedade, é altruísta. Em verdade, o uso da palavra amor tornou-se de tal modo amplo, até mesmo banal, que serve ambiguamente para qualificar desde um mero apreço por algo ou alguém, como também admiração, mania, obsessão, cupidez, interesse acentuado, por algo ou alguém, e por aí vai... Eu, de minha parte, lamento que seja assim. Por sua importância e nobreza devia se limitar por lei e decreto o uso da palavra amor para falar de sentimento, restrito a pessoas. Talvez devesse se aplicar a cães, porque amam seus donos. A gatos, de que gostei por toda a vida, nunca.
Importante é, desde logo, estabelecer que amor é um sentimento - a percepção daquilo que se sente - e que não necessariamente estabelece uma relação baseada na reciprocidade. Em outras palavras, o sentimento amoroso não necessariamente é mútuo. Por outro lado, o amor é um sentimento de que todo sujeito é dependente para o seu bem-estar e a privação do objeto do amor causa-lhe no mínimo mal-estar.
Igualmente importante é a distinção que diz respeito à motivação, como seja, a satisfação de um desejo tanto quanto de uma necessidade.
O amor que se origina pelo desejo e nele se exacerba é, via de regra, voltado para o próprio sujeito, é egocêntrico. Dificilmente este tipo de “amor” corresponde ao sentimento amoroso. É motivado pela intenção de tão somente possuir ou ter a propriedade do objeto do “amor”, e no caso de duas pessoas, é destituído do propósito de satisfazer por reciprocidade o desejo ou necessidade do objeto do “amor”. Este tipo de “amor” é, de modo bem peculiar, não essencial, pois que é motivado, também como regra, pela luxúria, quando dirigido a uma pessoa, ou pela cobiça ou cupidez, quando dirigido a um bem material.  A rigor, este tipo de amor não deveria ser considerado como tal.
Já o amor que se caracteriza pela satisfação de uma necessidade afetiva como tal é considerado essencial à vida. Este é, pelos exemplos mais comuns, o “amor” filial e maternal tanto quanto o paternal e o fraternal. Quando movido pela volição dirigida a alguém que se quer como companheiro ou companheira, diz-se que este amor é romântico, no sentido literário, porque estimula a capacidade de reagir emocionalmente frente ao objeto de amor - tanto no que toca o objeto do amor quanto no que por ele é tocado. Esta natureza do amor é especialmente baseada mais do que na interação entre sujeito e objeto, mas na busca da comunhão entre pessoas. A privação desse tipo de amor, mais do que ao mal-estar, implica em, como estado patológico já levado ao paroxismo, leva à depressão, à melancolia. A desesperança, mais do que a dor, corroi a mente e acaba por instalar-se de modo arrasador. Leva à perda até da fé de conseguir aliviar o sofrimento no amor.
A ênfase que aqui atribuo a este evento é importante de se anotar, dado que explica as inúmeras dissoluções de casais e variedades de comportamento.
Por que tantrismo entra nessas considerações? É uma prática que busca resolver a questão da possibilidade do amor entre duas pessoas.
Comecemos então por entender, sem maior aprofundamento, o que é tantrismo, ou melhor, o que são os tantrismos. Sim, porque existe uma grande variedade de correntes de pensamento tântrico, de natureza religiosa e não-religiosa, assim como linhas de pensamento tão somente filosófico, de práticas com propósitos essencialmente psicológicos e mesmo medicinais.
No geral e em comum com todas estas vertentes, o tantrismo é uma prática de origem iogue que provém de uma corrente de pensamento hinduísta a partir dos Vedas, as escrituras sagradas do hinduísmo. Muitos são os que afirmam ter surgido por volta do ano 500 da era cristã, mas seus preceitos seguem textos da tradição já anotada ancestralmente – os tantras, os livros da sabedoria hinduísta, muitos dos quais têm mais de três mil anos[i]. Muitos são os que consideram que a partir do século VI, e não antes, são encontrados cultos tântricos nas escolas filosóficas shivaites ou shaktistas. Há divergências: em algumas correntes do budismo atribui-se ao Buda Sakyamuni já se manifestar no século VI antes da era cristã sobre a prática tântrica, que persiste no budismo mahayana e no budismo vajrayāna[ii]. Há também alegações de que o tantrismo teria origem em sociedades matriarcais até recentemente consideradas equivocadamente primitivas, ainda no período harapeano-dravídico, cuja cultura não era belicista[iii] e muito menos primitiva. Resulta daí se supor a razão de a mulher, em contraste acentuado com as demais culturas védicas, ser exaltada, reverenciada e até mesmo divinizada. E não só pela sua natureza como mãe enternecedora como ainda na medida em que dava vida a outros seres humanos. Estão presentes nas raízes do culto tântrico expressões como templo da vida, templo sagrado referindo ao útero, ao ventre materno[iv]. Daí eventualmente também a sua natureza matriarcal fundada no culto da mãe deusa, do que parece resultar também a sua natureza sensorial a partir do alimento primordial por intermédio do seio materno.
De acordo com a doutrina tântrica, tanto filosófica quanto religiosa originais[v], existe uma identidade absoluta entre o espírito e a matéria, o microcosmo e o macrocosmo, o eu e o mundo, a alma individual e a alma universal. A alma universal é concebida como o fundamento do todo, do Um, unidade indivisível, transcendente e eterna que se manifesta sob uma forma andrógina, que tem em si um princípio masculino estático e um princípio feminino dinâmico, que se integram um ao outro, continuamente criando a vida.
Do ponto de vista religioso, o princípio criativo masculino, o espírito, e a natureza material - identificados pela vertente religiosa mítica respectivamente com Shiva e Shakti - constituem dois aspectos do Um original, simbolizados pelo lingam ("falo"[vi]) e a ioni[vii] ("ventre maternal", "lugar"). Da união desses dois princípios surge e ressurge continuamente o mundo e nasce e renasce continuamente a vida. A partir da união dos dois sexos será eliminada a polaridade dos contrários e irá levar ao original indivisível que precedeu à criação. A superação de todo dualismo coincide com a liberação última, extática, e é obtida mediante ritos e formas de meditação especiais.
Os cultos de Shakti - a força passiva, feminina - e Shiva - a força ativa, masculina -, conduzem ao ser supremo definitivo (Brâman) como a sublime união da força ativa, masculina, contida no ligam – o falo – com a força passiva, feminina (Param Shiva) contida na ioni – o ventre da mulher-mãe. Esta união é centrada no desenvolvimento e despertar da kundalini, a "serpente" da energia ígnea, a manifestação sexual , e portanto de natureza biológica, situada na base da espinha que ascende através dos chakras até alcançar a união entre Shiva e Shakti. Serve a este propósito o processo conhecido como samadhi, a prática milenar de centrar a mente em uma única sensação ou ideia para atingir o estado de ânimo que enseja a meditação.
Para esse efeito, os adeptos devem se dedicar ao controle das pulsões, os impulsos mais primários que estão relacionados aos instintos relacionados à sexualidade, para não se deixar dominar por estes instintos. Em outras palavras, o tantrismo é uma prática ou mesmo um culto que prega a busca do esclarecimento ou iluminação através a união sexual, mediante o samadhi, e a esta atribuirá a qualidade de anteceder e promover a consciência plena, indispensável para que se atinja a iluminação.
O tantrismo é uma das escolas de pensamento hinduísta mais antigas. Alguns aspectos históricos demonstram sua origem mais remota no que durante muito tempo se denominou Civilização do Vale do Indo. Não é esse, todavia, o aspecto que gostaria de destacar imediatmente, mas, sim, o seu fundamento histórico-religioso. A meditação tântrica, segundo algumas especulações, teria se desenvolvido entre tribos dravídicas do sul da Índia por volta de dez ou quinze mil anos atrás – o que talvez seja um exagero, mas não é impossível. Tinha então a finalidade de exprimir o desejo de compreender a mente consciente. A partir do sexto milênio antes da era de Cristo a meditação tântrica passou por um desenvolvimento maior promovido pelo iogue Shiva, tornando-se parte integrante do taoísmo, budismo, budismo tibetano e zen, e do sufismo. No tantrismo original, ao contrário da absoluta maioria das correntes espiritualistas, se vê o corpo não como um obstáculo, mas como o próprio veículo para o conhecimento[viii], para o desvendamento do cosmos, o que coloca o corpo senão no centro mas de grande importância para o seu culto. Para o tantrismo todo o complexo humano é vivo e possui consciência independente da consciência central e, por isso mesmo, é merecedor de atenção, respeito e reconhecimento. Para tanto utiliza mantras[ix] e iantras - figuras geométricas como, por exemplo, mandalas que representam as diversas formas de Shakti - além de rituais que incluem formas de meditação de grande complexidade. De especial importância para o tantrismo é o culto da união da mulher e do homem pelo ato sexual. Previne-se, no entanto, que poucas são as pessoas que estarão prontas para o tantrismo, principalmente aquelas da espécie que têm “disposição animal” e, por conseguinte, carecem de orientação. Ou seja, a maioria de todos nós...
No cerne do culto tântrico acham-se rituais de natureza esotérica de conotação fortemente mágico-simbólicas ao longo do ato sexual. Após os procedimentos preliminares os praticantes devem passar por um processo de percepção profunda e de conscientização da “energia” de um e outro, com propósito de reciprocidade elevada. 
As posições específicas das mãos, por exemplo, são a expressão da tensão de todo ser sobre o divino. O ritual que consiste de tocar certas partes do corpo do outro serve para identificá-las com o ser divino, simboliza a entrada do influxo divino no corpo dos adeptos. O ritual se faz acompanhar da recitação de mantras e bijas, os primeiros sendo constituídos de fórmulas polissilábicas e os segundos de fórmulas monossilábicas. E através o ato sexual os adeptos estarão celebrando o momento da criação, perseguindo um controle perfeito dos sentidos e das reações corporais.
Cada discípulo recebe de seu mentor um mantra personalizado. O mais recitado dos mantras é aum ou oum, cuja origem considera-se ter ocorrido no período do império harapeano[x]. De outro lado, existem inúmeros diagramas místicos, de diferentes formatos, como as mandalas, os chamados círculos de meditação, que constituem o suporte físico de representação simbólica do universo. Esta é a razão mesma de serem realizadas apenas com apoio de um guru[xi] experiente, pois se supõem eventualmente fatais no caso de serem praticadas incorretamente – o que não chega a ser exagero místico, porquanto não são raros os incidentes. Mais ainda que outros iogas, o tantrismo, seja hindu ou budista, é uma prática que, como vimos, depende de um guru.
É através o ato sexual - e este é um importante aspecto a lembrar - que os adeptos celebram o momento da criação. Atingindo um controle que se pretende perfeito das forças sobre-humanas do cosmos que se manifestam por intermédio de seus corpos, os seguidores irão permitir a união da alma individual com o ser supremo.
Assim, os adeptos acreditam que no ato sexual possam atingir o mais elevado de todos os objetivos humanos: alcançar a plena iluminação, estado último de paz no qual todos os obstáculos que obscurecem a mente foram removidos e todas as boas qualidades, como sabedoria e compaixão, serão completamente desenvolvidas. No budismo tântrico os métodos para atingir a paz da plena iluminação são os caminhos do sutra e do mantra secreto, este último ainda “mais raro que os ensinamentos dos mil Budas”, dos quais somente o quarto (Buda Gótama, o Sakyamuni), o décimo-primeiro e o último poderão ensinar os caminhos do mantra secreto. “Secreto” indica que esses métodos devem ser praticados em segredo. Se exibida a prática, irá atrair muitos obstáculos e forças negativas. O que denota a preocupação dos seguidores com perseguições.
Cabe aqui uma observação fundamental, que pretende afastar as ilações viciadas pelo preconceito por se precipitarem antes de conhecer propósitos. As práticas tântricas não têm por fim a atividade sexual ou a penetração dissociada da comunhão. O trabalho objetiva aumentar a percepção mútua acentuando a sensibilidade de ambos e, a partir dessa, promover os níveis de comunhão onde haverá, mais do que prazer, o êxtase. Não se trata, pois, de uma proposta tão somente sexual. Há, sim, atividade sexual. Toda atividade que erotiza é sexual, independentemente do objeto de erotização como bem aponta a teoria psicanalítica. Não é esse, porém, o propósito último. Até porque na busca da comunhão, como iremos ver, há procedimentos que tanto precedem o ato sexual, como o sucedem, já então na busca da comunhão que permite alcançar a consciência plena e a iluminação. O que importa é, mais do que qualquer das práticas devocionais de natureza religiosa, é que se busca na prática tântrica a união pelo amor para se alcançar a consciência plena e a iluminação.
Após alguns procedimentos preliminares os praticantes devem passar por um processo de percepção profunda e de conscientização da “energia” de um e outro, com propósito de reciprocidade elevada. Nesse momento, é considerado fundamental permanecer em silêncio, integrando o forte impacto que a experiência oferece. Nestas práticas, o propósito é o envolvimento mútuo de um casal ou de parceiros que se propõem a comungarem do amor.
Nessa busca da comunhão amorosa é preciso, antes e acima de tudo, estarem os parceiros convencidos que o intento é comum a ambos e que isso ocorrerá através a comunhão como veículo para o conhecimento de si mesmos, do outro, da própria razão de sua união e da natureza e razão das coisas do mundo.
Embora pareça uma abstração, é nessa clareza do intento de um e de outro que reside o cerne do termo relação.
Comecemos por construir o significado do que seja relação. Como seja, a noção que se constroi a partir da constatação de que só existe relação entre pessoas ou grupos de pessoas, objetos ou conjunto de objetos, quando existe uma ligação ou correspondência entre essas pessoas ou grupos de pessoas, assim como entre objetos ou conjunto de objetos. É, portanto, um ato ou processo intelectual que estabelece ou permite estabelecer uma ligação, referência ou correspondência entre duas ou mais coisas. No caso, uma relação interpessoal irá requerer co-respondência, co-participação.
Para bem entender, relação e sexo são duas disposições humanas e, de fato, o enunciado propõe que o intercurso sexual de duas pessoas, em si e por si só, afasta ao invés de aproximar dois seres humanos. O vazio a que se refere Badiou é a fonte de repetidas insatisfações seguidas de frustração a partir do momento em que são percebidas ou no subconsciente, ou no inconsciente. Quando sobrevém a percepção consciente desse vazio a dor é inevitável.
Entenda-se: no intercurso cada qual é, de modo bastante generalizado, movido pela busca do seu próprio prazer, pelo êxtase de-si e para-si, em que o outro irá satisfazê-lo apenas como mero objeto - para o próprio e único sujeito, que é o seu próprio eu – ou os seus respectivos eus. A intenção é o gozo próprio, que quando muito será um simulacro narcísico, uma forma de auto-certificação de sua própria habilidade e poder – se importando pouco com o gozo com o outro. O simulacro reside no empenho em proporcionar prazer sexual no outro, não como prova de amor, mas de esforço performático, de exibição de poder feminino ou masculino, de feminilidade ou de virilidade. E in fine puro narcisismo.
Não é fácil perceber e aperceber-se disso. Por vezes pode levar muito tempo e até mesmo o período de toda uma vida. Há casais que constroem vias paralelas para dissimular para si mesmos e para o outro o vazio a que se refere Badiou. Ora com manias - como podem ser pela via de uma busca obsessiva de conforto espiritual em práticas religiosas, elas mesmas obsediantes-, ora com adicções – que tanto podem ser pela via do alcoolismo, dos antidepressivos e até mesmo das drogas pesadas. Em qualquer desses casos a inquietação, a ansiedade, a angústia, os impulsos de auto-mortificação ou, até mesmo, de conquistas “amorosas”, todos refletem o vazio do amor faltante.
É raro nos lembrarmos que existem terapêuticas para essa falta, mas é preciso, primeiramente, nos dar conta, nos apercebermos da falta, da falha no “relacionamento”. Mais ainda, a busca de compreensão das razões desse vazio e de uma solução supletiva requer empenho e, sobretudo, se a busca é partilhada pelo casal, feita de comum acordo... É imprescindível que haja consonância, mais do que mera concordância, entre os parceiros. A falta desse acordo e consonância irá invalidar todo esforço na busca.
Tive experiência pessoal. Fiz terapia de casal.
E, como já disse, a experiência não foi boa no final das contas. Deu lugar com o tempo ao tal vazio a que se refere Alain Badiou.
Não me atrevo a atribuir erro à psicoterapeuta. É fato, porém,  que faltou a determinação de buscar a comunhão já que buscamos apenas um entendimento das nossas possibilidades como casal. Um “ajustamento”.
Creio, mesmo, que todo ser humano tem a capacidade de desenvolver esse efeito mágico que é o amor por qualquer outro, independentemente de beleza interior ou exterior, credo religioso, cor, ascendência étnica, ou até mesmo sexo, idade, e o que mais seja. É evidente que valores pessoais e paradigmas sociais e culturais são determinantes do interesse de uma pessoa por outra. O interesse comum aproxima as pessoas, claro, mas não são assim tão raras as personalidades claramente contrastantes que se atraem, embora esses contrastes com o tempo e a convivência possam exacerbar-se e incitar desavenças, desagrado, intolerâncias.
Como resolver diferenças? No meu caso não foi pela via do sexo puro e simples. Minha passagem acadêmica pelo campo da História ensinou-me que não existe essa coisa de como seria se não fosse. Mas, ainda assim, tenho a firme convicção que se tivéssemos nós, como casal, estabelecido o firme propósito de superar nossas diferenças, buscar harmonia pela comunhão no amor, possivelmente teríamos chegado lá, sem ter exacerbado nossas diferenças com a busca da relação no sexo apenas. Faltou-nos buscar nossa correspondência no preenchimento do vazio, pela suplência no amor.
E quantas são as pessoas que se apercebem disso, se dão conta que não existe verdadeiramente a relação sexual, a relação interpessoal no sexo entre duas pessoas?
Há casais que dão testemunho de que suas vidas conjugais contam com o que consideram uma vida sexual satisfatória, por vezes até intensa. E ainda assim sofrem de uma insatisfação mal definida, com interesses ocasionais por outras pessoas como eventuais parceiros no sexo. Episodicamente não atingem o orgasmo, mas não se detêm sobre esses episódios por considerá-los “coisas que acontecem”.  Sobretudo homens se dão por satisfeitos se ejaculam, ainda que de modo fugaz. Mas e o verdadeiro gozo no paroxismo do orgasmo?
Diga-se, por ser oportuno também, que há práticas que preceituam atingir o que se considera êxtase orgástico sem ejaculação para não se perder “a energia” que motiva e mantém a busca do orgasmo seguidamente, o orgasmo múltiplo. A este propósito se propõe a chamada reflexologia sexual, baseada nas práticas tântricas sem seguir tão de perto os fundamentos do tantrismo. E é importante compreender que a reflexologia sexual propõe práticas para que se alcance o orgasmo, e não o êxtase orgástico, porque refere-se apenas ao orgasmo sem apontar a verdadeira intenção que fundamenta as práticas tântricas.
A nós irá interessar mais especialmente a relação entre duas pessoas que formem um casal e têm inicialmente um único propósito comum, a saber, alcançar a satisfação do desejo mediante o prazer transcendente no intercurso sexual, o que equivale a um êxtase orgástico. Inicialmente, sim, porque a satisfação do desejo sexual não é bastante, mesmo que se busque assiduamente, até porque é preciso se dar a conhecer e conhecer o outro como realmente é. E esta busca é incessante, persistente e... Inatingível porque não deve cessar – ou, como se diz, “para todo o sempre para o melhor e o pior, na riqueza e na pobreza, na doença e na saúde, até que a morte os separe”. Há uma razão para esse intento, na medida em que todo indivíduo constitui um universo que a cada dia se modifica e, portanto, se renova sobretudo pelo perceber e pensar as experiências do cotidiano.
É, todavia, o conhecimento de si mesmo que permite desencadear o propósito de percepção e conhecimento do outro. É este, evidentemente, o primeiro dos passos que permitem reconhecer o outro, o que requer uma profunda introspecção, seguida de um crescente reconhecimento de suas próprias naturezas o que permitirá a cada qual perscrutar a natureza do outro. Não é um processo fácil e muito menos rápido. Menos ainda deve se supor que esse auto-conhecimento é obtido por-si e em-si, admitindo-se a necessidade de ajuda de um mentor com habilidades especiais.  Ainda assim deve ser perseguido com persistência, o que se consegue com detida reflexão. Ou, em outras palavras, com detida meditação.
O êxtase orgástico é a porta que se abre para a comunhão dos parceiros no ato sexual. A ejaculação é, pois, para o homem uma interrupção, o próprio corte e frustração dessa busca porque suspende essa busca – aí, sim – porque resulta como impulso meramente instintivo, ou como querem os pensadores do tantrismo, como impulso animal.  Sobretudo porque em especial a mulher via de regra sempre busca a comunhão, enquanto o homem busca satisfazer-se no sexo. É possível essa comunhão? Podem, afinal, um homem e uma mulher se encontrar, se fundir, tornarem-se uno, atingir a verdadeira união?
A prática tântrica para o amor
No mundo ocidental há um número considerável de adeptos do tantrismo e da reflexologia sexual, esta última de inspiração taoísta. O apelo do orgasmo tântrico assim como da realização de orgasmos múltiplos naturalmente atraem adeptos, muitos dos quais são inspirados de modo equivocado. Uns entendem que o tantrismo possui o condão de desenvolver a espiritualidade em si, enquanto outros buscam desenvolver técnicas para obter sensações mais intensas no ato sexual. É bem verdade que ambos os casos resultam em sucesso relativo quanto aos propósitos imediatos de um e de outro. Como já observei anteriormente ao citar o psicanalista Jacques Lacan e as considerações do filósofo Alain Badiou, não há essa coisa chamada relação sexual e o ato sexual termina inevitavelmente num doloroso vazio, resta àqueles que não se entregam pura e simplesmente a tal evidência e empenham-se em superar dificuldades em si mesmo e no outro.
Vale a pena. O orgasmo tântrico é o êxtase gozoso na fusão, na completude e na complementaridade do um e do outro, unidos, um estado de prazer extremo, prolongado. Com amor verdadeiro. E muitos são os críticos que ora condenam o tantrismo por preconceito, ora o condenam por desconhecimento ou deliberada negação de seus propósitos, por recusa em explorar as possibilidades vivenciais que se possa alcançar.
Cabe, porém, a esta altura fazer algumas observações, ou mesmo advertências. Primeiramente, já me referi ao fato de que o tantrismo em qualquer de suas formas e vertentes do pensamento é uma prática para um casal. Necessariamente envolve a mediação do sexo entre os parceiros. Para atender aos seus fundamentos e preceitos mais primordiais é preciso lembrar que, como já mencionei anteriormente “A partir da união dos dois sexos será eliminada a polaridade dos contrários e irá levar ao original indivisível que precedeu à criação. A superação de todo dualismo coincide com a liberação última, extática, e é obtida mediante ritos e formas de meditação especiais.” Do ponto de vista religioso é “através o ato sexual (...) que os adeptos celebram o momento da criação. Atingindo um controle que se pretende perfeito das forças sobre-humanas do cosmos que se manifestam por intermédio de seus corpos, os seguidores irão permitir a união da alma individual com o ser supremo.”
Em segundo lugar, deve ser considerado pelos iniciantes e iniciados recentes que devido à poderosa erotização que resulta de sua prática os exercícios preliminares da meditação tântrica promovem um forte envolvimento entre os parceiros de exercícios. Por este motivo é recomendada cautela na escolha de parceiro ou parceira sob dois aspectos principais. De um lado, o parceiro ou parceira tem de estar imbuído do espírito e proposta no tocante a, para uns, comunhão no amor. Para outros, movidos pela religiosidade, firmemente aplicados e perseverantes na busca da comunhão no amor e em atingir a compreensão plena[xii].
A prática dos exercícios tântricos tem, sobretudo por estes dois motivos, que ser o caminho para o enriquecimento de uma relação amorosa, a qualquer tempo. A mera sedução não basta. A busca do orgasmo múltiplo leva a ilações no campo da afeição que podem ser enganosas e a interpretações distorcidas na psique quando não se tem o propósito de amar e ser amado. Como também já me referi “o sentimento amoroso não necessariamente é mútuo. (...), o amor é um sentimento de que todo sujeito é dependente para o seu bem-estar e a privação do objeto do amor causa-lhe no mínimo mal-estar.” A sua  privação, mais do que, como estado patológico já levado ao paroxismo, resulta em mal-estar, mas pode também implicar em  depressão, em melancolia. A desesperança, mais do que a dor, corroi a mente e acaba por instalar-se de modo devastador. Leva à perda até da fé de conseguir aliviar o sofrimento no amor.
Passemos ao que interessa.
O tantrismo possui quatro preceitos fundamentais e apresenta três estágios ou fórmulas que preparam o praticante para atingir este orgasmo poderoso e extasiante, de extremo arrebatamento.
O aprendizado da prática demanda um tempo e dedicação consideráveis. Não é de se esperar resultados em prazo curto, como em qualquer das práticas de quaisquer exercícios preliminares à meditação sistematizada, estruturada sobre os fundamentos de uma atenção para as percepções objetivas a partir dos sentidos, assim como subjetivas a partir de sentimentos e emoções revividas. Serão necessários vários dias para apreender os métodos, fundamentos e concepções. Serão necessários vários meses para atingir resultados modestos ao praticar alguns dos exercícios. E muitos serão os meses, e mesmo anos, para se atingir níveis mínimos de interação e conhecimento mútuo – para além do conhecimento reunido no convívio cotidiano, corriqueiro, por mais profundo e revelador que este convívio possa ser.
A prática requer um posicionamento do corpo de que não deve se afastar.
O primeiro preceito fundamental reside na respiração calma e profunda, ao mesmo tempo que a mente está atenta para as percepções corporais. Requer empenho no controle da atenção, sempre buscando vencer a divagação, sempre que se perder retornando à atenção da respiração simultaneamente à percepção das sensações no corpo. 
O segundo preceito fundamental é a observância do estado de relaxamento, pela observação detida do estado de relaxamento dos ombros, do pescoço, dos braços e mãos, das pernas e dos pés. Esta percepção se detém sobre a sensação de peso dos membros e suas partes, assim como de cabeça, pescoço e tronco eretos sem contração de quaisquer músculos, sobretudo das costas e dos ombros. Não há outra maneira de se evitar dores crescentes e até insuportáveis.
O terceiro preceito é não ceder ao impulso orgástico, sobretudo no caso dos homens – não ceder à ejaculação. E para esse fim observar as três formas básicas de preparo mental e físico, que serão adiante enumeradas.
O quarto preceito é manter-se mentalmente no momento presente e inteiramente voltado para esta circunstância especial que é a busca da fusão do casal. É fundamental não se afastar da percepção das sensações. São elas que cumprem em parte o papel de trazê-lo para o momento, a circunstância e o lugar presentes. Cumprem o papel de mantê-lo afastado das divagações por pensamentos que rompem a ligação com o presente – o aqui e agora. É claro que não há como impedir por longo tempo que fantasmas sobrevenham sob a forma de lembranças e da evocação de anseios. O importante é não se deixar perturbar por fantasmas, não permitem que eles se instalem por mais do que uma fração mínima de tempo. Procure tirar partido de um poderoso componente que tem como prevalecer. Este componente irá ajudar na proteção contra estes adversários do aqui e agora: é o outro, o próprio objeto direto de seu empenho, o objeto do seu amor. Sem angustiar-se tire todo o proveito que puder dos exercícios próprios da prática tântrica.
Passemos, pois, a eles, os exercícios preparatórios da busca de uma comunhão que se provará intensa. E prazerosa.
É chegado, todavia, o momento de preparar-se para receber e perceber o parceiro ou a parceira. Neste particular é também fundamental se dispondo e predispondo à percepção do eu do outro, acolhendo-o e a ele se revelando com atitudes, posturas, gestos, palavras e sons. A atitude é de acolher o parceiro ou a parceira se entregando ou se abandonando ao outro, deixando-se tomar de ternura, profunda e intensa. É preciso, para tanto, voltar a sua atenção para as sensações que resultarão dos toques, aromas, sabores e sons que lhe chegam do outro, assim como da visão na troca do olhar entre si.
Os corpos têm de se tocar e para isso os parceiros devem se por de frente um para o outro. Os corpos devem se tocar de tal modo que seus membros, seus torsos e seus genitais se toquem, mantendo-se sempre atentos aos preceitos de respiração atenta, relaxamento profundo, de contenção de impulsos e de mentalização no momento e circunstância presentes.
O encontro dos corpos requer que se abracem, e sustentem demoradamente este abraço, e que agucem suas percepções sensoriais. Pela pele irá se dar a percepção dos corpos que tem de ser aguçada na mente. É de boa prática fechar momentaneamente os olhos para que essa percepção seja aprofundada. O olhar, por sua vez, demorado, que busca transmitir em toda a sua intensidade a ternura de que se deixa tomar, permitirá captar grande parte da essência do outro. O beijo é a forma de se saborear à boca e ao mesmo tempo aspirar pelas narinas o aroma do parceiro e da parceira. Palavras devem ser sussurradas e sons murmurados no ouvido de um para o outro. Instala-se assim, com esses procedimentos, a atmosfera necessária à percepção do outro ou outra.
É chegado, pois, o momento de dar início à troca de carícias que, na prática devocional, considera-se troca de energias entre as almas dos parceiros.
Há três formas de gozo contido que devem ser consideradas etapas preparatórias do orgasmo tântrico que se manifesta como êxtase amoroso. As etapas são consecutivas e predispõem os parceiros para a fusão gozosa, a sexualidade tântrica em sua totalidade. Em qualquer dessas etapas o controle é de difícil sustentação, sobretudo na terceira das etapas. Não é demais insistir de que a concentração perseverante no momento presente e na circunstância da prática é por demais importante, crucial. A percepção de todas as sensações tem de ser direta e imediata, o controle da mente sem divagações é condição de que não se pode abrir mão.
A primeira dessas etapas é anterior a este momento: refiro-me à masturbação solitária contida – o que significa dizer que ao se dedicar à masturbação não deve se ceder ao orgasmo. Esta etapa, constituída de inúmeros exercícios, requer concentração no propósito firme de não ceder ao instinto, ao impulso natural, mas contrário à busca do verdadeiro êxtase. No amor.
A segunda etapa consiste de masturbação mútua que não se limita aos órgãos genitais, mas a todo o corpo. Em parte essa etapa é mais propícia à concentração sobre a natureza íntima do outro a partir do encontro de seus corpos e pela troca de carícias revestidas da mais profunda ternura – é de se evitar movimentos bruscos, quaisquer gestos ou atitudes que possam ser considerados intensos, apaixonados, palavras e sons que denotem arrebatamento.
Finalmente a terceira etapa, a mais difícil, a que exige maior concentração e absoluta consciência do propósito buscado, de fusão no amor. Esta é a etapa da penetração genital. Em hipótese alguma deve-se passar da penetração ao movimento dos genitais. É de boa prática se manter imóvel inicialmente. É importante dedicar o máximo de tempo possível a essa etapa que é, na verdade, de conhecimento, ou re-conhecimento, profundo do outro.
Percebe-se, enfim, claramente. A fusão tântrica não se confunde com o simples ato sexual de seguidores, nem ocorrerá necessariamente no decorrer do ato sexual de seguidores. Trata-se na realidade de um estado superior cujo acesso não é dado a todo ser humano, mas apenas àqueles iniciados que logram atender a certas condições, que são adquirir um conhecimento real de seu próprio corpo, controlar as suas reações primárias, determinadas pelos impulsos inerentes à prática do sexo, e buscar a comunicação por meio dos sentidos – o tato, a visão, o olfato, o paladar e a fala e audição – pois importa saber, mais do que tocar, acariciar com ternura considerando que o tato transmite emoção e energia, aprender a olhar detidamente o outro. O olhar é o mensageiro da energia de cada qual, assim como a aspirar, de olhos fechados ou não, o aroma do parceiro, o cheiro de seus fluidos que provêm de suas energias, assim como a saber o parceiro ou parceira pelos lábios, pela língua, pelo beijo conhecer o sabor do outro. Por fim, não menos importante, sussurrar palavras de carinho amoroso e ouvir atentamente os sussurros do outro por ser esta a manifestação do íntimo pela fala.
A energia dos olhos é de grande importância no tantrismo. O olhar não apenas é uma mensagem cheia de energia, como também promove a intimidade. A maioria das pessoas sequer é capaz de sustentá-lo sem desviar o olhar e baixar a cabeça. De acordo com o fundamento tântrico lidar com o olhar é como criar um veículo para a energia e aprender a usá-lo e não bloqueá-lo. Para isso, o tantrismo propõe que o praticante se deixe olhar e observar pelo seu parceiro, assim como olhar para o outro, sem vergonha ou pudor, até o mais íntimo do seu ser. Não se trata de esconder, mas abrir-se para o outro, ou seja, desbloquear o caminho para o seu interior.
Cabe voltar a atenção para a significação do abraço. Este, juntamente com o beijo, constitui uma das mais eloquentes formas de afeição, apreço, ternura e anseio pela comunhão com o outro. No entanto, o abraço tal qual o olhar é um ato que via de regra se faz de modo apressado - às vezes até substituído pelo afago rápido, quase o tal “tapinha nas costas”. A pressa, no caso, é a manifestação do receio à revelação do ser em si e à intimidade. O abraço é, no entanto,  também veículo para a troca “de energia” contida no afeto, assim como é toda uma forma de expressão de apreço e carinho.
Obtêm-se, assim, a comunicação e a conexão entre parceiros ao aprofundar a intimidade, aumenta-se a expressão da afetividade. Abrem-se novos caminhos em direção ao êxtase, à cura, à celebração da vida e à alegria. Melhora a capacidade de resposta afetiva do casal, aumentando a intimidade.
Algumas considerações em benefício do amor
Uma prática desejável nesse processo de busca da comunhão é denominada metta  pelos orientais. É uma prática que busca a solidariedade e a tolerância com os seres humanos em geral. Solidariedade e tolerância são sentimentos que se instalam , como veremos, na busca da compreensão e conhecimento do outro, embora tenha início no processo do perdão a partir de si próprio, em seguida estendendo-se ao outro e aos outros. É necessário, todavia, destacar que o metta bhavana, a meditação para o metta, requer adquirir uma consciência do significado do perdão. Este não implica isenção de culpa, anistia ou algo que se lhes equivalha. Essencialmente metta é uma atitude altruísta de amor e solidariedade distinta da mera amabilidade com base em interesse próprio. Através de metta o indivíduo se recusa a ser ofensivo e renuncia à amargura, ao ressentimento e às animosidades de qualquer natureza, implicando-se no desenvolvimento de benevolência, na busca do bem-estar e felicidade dos outros.
Metta é na verdade um sentimento de solidariedade e tolerância universal, altruísta e abrangente. Designa o impulso mental da compaixão, que visa ao perdão, à tolerância, à compaixão que pressupõe incondicionalidade, sem ressalvas, e que começa com o impulso para perdoar-se. A partir do perdão pelas suas próprias imperfeições um indivíduo irá voltar-se para as outras pessoas, num processo de compreensão gradual segundo a intensidade do relacionamento que se tem com as outras pessoas. Assim, em um segundo estágio o perdão irá se estender àqueles mais próximos – pais, irmãs e irmãos, esposas e esposos, assim com parentes e aparentados próximos. Em seguida, amigas e amigos, parentes não tão próximos, mas que por este ou aquele motivo contam com a nossa afeição – e, portanto, mais percebidos como merecedores de nosso perdão. Em outro estágio o perdão é conferido a um círculo de relações ainda imediato como o dos vizinhos e companheiros de trabalho, escola, igreja, clube esportivo, pelada, enfim, não propriamente amigos e amigas, mas ainda assim pessoas de que gostamos ou podemos gostar. E essa graduação vai se voltando para pessoas com quem temos relações cada vez mais distantes, até, no limite, voltar-se para aquelas pessoas de quem não gostamos, inclusive aquelas de quem nos ressentimos e devotamos até mesmo inimizade.
A prática em si se desenvolve por meio de uma sucessão de votos de perdão. Bem entendido, voto como desejo sincero, ou vontade intensa, como ato volitivo, de intenção – parte do que se denomina carma.
Neste ponto, permito-me apontar e analisar alguns aspectos que resultam dessa proposição como estágio que precede o intento amoroso. Na medida em que, claro, busca-se a comunhão amorosa.
O primeiro desses aspectos é a natureza de um voto, como ato volitivo, de intenção , como desejo sincero, como compromisso ou promessa solene, de natureza íntima, seja religiosa ou não, seja afetiva ou não. Sob esse aspecto, a intenção ou compromisso sincero, consequente, não será um ato volitivo não definido pura e simplesmente. Depende de uma firme convicção. Desenvolver uma tal convicção não há de ser apenas uma volição sem fundamento. Claro, pode-se perdoar e dedicar compaixão a alguém – mas como fazer isso sem compreender a real natureza do perdão e da compaixão? Sem ter a compreensão dos aspectos a serem objetivamente considerados em relação a um ser seu semelhante? Afinal de contas, perdoar quem, o quê e por quê?
Ao identificar o sujeito e objeto do perdão, estaremos identificando alguém e as razões do perdão e da compaixão, certo? Pois bem.
Ao avaliarmos a natureza de uma pessoa veremos imediatamente as características pessoais dessa pessoa que são determinantes, circunstâncias e fatos dessa relação interpessoal, entre ela e eu. Os efeitos positivos e negativos devem ser considerados. Por que? Ora, porque sem ter consciência desses efeitos não há como qualificar a natureza de uma relação interpessoal – e menos ainda a natureza e o propósito desse perdão, compaixão, amor incondicional. E não há como objetivar, isto é, não há como definir a ação de perdoar e ter compaixão de modo transitivo, de modo que se transmite do eu agente para o objeto a pessoa. Ou seja, perdoar quem, o quê e por quê.
Em segundo lugar, e não menos importante, temos de tornar presentes na lembrança fatos e circunstâncias que motivam sentimentos e emoções... negativos dessa pessoa em mim – pois afinal de contas não queremos perdoar? O que nos levará inevitavelmente a evocar ressentimentos, raivas, desprezo, e outros que tais. Por que? Bem, para objetivar nosso propósito de perdão e compaixão há de ser pelo que é ruim, e não pelo que é bom, certo?
E é este o estágio em que voltamos a nossa atenção para o outro e nos perguntamos qual a verdadeira razão dos nossos ressentimentos e raivas e desprezo e temores. É este o estágio em que devemos nos perguntar se, ao menos em parte, a verdadeira razão não estará no fato de sermos afetados por termos feito ou sermos capazes de cometer os mesmos atos com as mesmas naturezas que nos causam ressentimentos e raivas e desprezo. É o primeiro movimento mental que nos leva à humildade de reconhecer em nós defeitos, defeitos com que não estamos habituados a avaliar, simplesmente porque vemos e evocamos mais facilmente os ressentimentos e as raivas e o desprezo e a repulsa que nos são causados, e muito raramente nos nossos atos que possam causar e causam esses mesmos sentimentos nos outros. Neste ponto, sim, somos capazes de perdoar e devotar compaixão, realmente, a um outro.
Objetivar o nosso perdão e a nossa compaixão é impulso eminentemente subjetivo, que compulsa nossos sentimentos a partir dos sentimentos alheios – de que podemos apenas e tão apenas supor –, nossas emoções e reações a partir das emoções e reações que somos capazes de infligir aos outros.
Neste estágio, também, damos início a um processo de auto-conhecimento. Assunto este que por ora não cabe alongar.
Não há de ser difícil perceber em nós mesmos que decisões impensadas, via de regra levam a ações mal-conduzidas. Ou para ser mais explícito, ora vão na direção errada e cometemos desatinos, ora nos levam a hesitar e não avançar, e daí a decisão não resulta em ação. A questão aqui é por que? Somos, sim, os únicos animais irracionais. As demais espécies seguem seus impulsos naturais enquanto os humanos não são capazes de seguir o seu dom, a razão, em benefício de seu próprio benefício, não!
Desde Freud, como se sabe, a psicanálise dá especial relevância à sexualidade e a eventual constatação, que vem de afirmação feita por Jacques Lacan, quanto à inexistência da relação sexual, particularmente relevante para os nossos fins. A expressãode Jacques Lacan que nos interessa é "Il n'y pas de rapport sexuel chez l'être parlant" – (Não existe relação sexual entre seres que falam)”. E antes que nos precipitemos em ilações cabe acrescentar que Jacques Lacan afirma que somente no amor o sujeito se empenha para aproximar-se de "ser o outro." É no amor que o sujeito vai para além de si mesmo, para além do narcisismo. No sexo o sujeito está no final das contas em uma relação tão apenas consigo mesmo com a mediação do outro. Como bem o diz Alain Badiou, em seu artigo “Elogio do amor”, “(...) afinal, que o sexo, por mais magnífico que seja, termina em uma espécie de vácuo.  É exatamente por isso que está sob a lei da repetição: é necessário recomeçar uma e mais outra vez.”
É isto. É o encontro no amor: você vai abordar o outro, para fazê-lo existir em você e com você, tal como ele é, como você é.
O tantrismo, como se vê, parece que faz todo sentido...



[i] Em verdade, sítios arqueológicos situados no vale do Indo datados de aproximadamente 3.000 anos antes de Cristo apresentam indícios que à época atestavam já então existir culto à mãe universal a que se referem os tantras mediante símbolos idênticos e, portanto, anteriores aos encontrados nos Vedas.
[ii] Por este motivo também denominado budismo tântrico, praticado principalmente no Tibé, no Butão e na Mongólia.
[iii] Possivelmente por isso mesmo submetida pelos arianos, que os escravizaram e lhes impuseram a condição de intocáveis por serem “impuros”.
[iv] Consta em alguns ensaios e anotações que a associação de yoni e lingam aos órgãos sexuais feminino e masculino só surgirá no século XIX por conta de estudiosos europeus.
[v] Em termos filosóficos, os pensamentos Nyaya-Vaishesika, Samkhya-Yoga e Mimamsa-Vedanta, são os de maior destaque, enquanto no âmbito religioso distinguem-se a tradição astika (védica) antiga dos pensamentos Vaishesika e Vedanta, assim como da tradição nastika (não-védica), do pensamento Yoga, com ligações posteriormente acentuadas com o budismo, o taoísmo, o confucionismo e outros que contestaram o pensamento veda e os seus rigores. Cabe apontar que diferentemente da filosofia ocidental, os pensadores indianos consideravam a filosofia como uma necessidade prática que precisava ser cultivada a fim de compreender o significado maior da vida e a melhor maneira de viver. Como regra, os escritores indianos costumavam explicar no início de seus escritos filosóficos como estes iriam servir aos propósitos humanos (puruṣārtha).
[vi] O linga (ou lingam) corresponde ao falo como fonte transcendental de tudo que existe. O linga unido ao iôni representa a não-dualidade da realidade contida na natureza de um e outro em sua potencialidade transcendental. The linga stone represents Shiva, and is usually placed in the yoni.
[vii] Iôni é o poder de criação da\natureza e representa a deusa Shakti. Iôni (ou yoni) é uma palavra sânscrita que significa "fonte de vida", "templo sagrado", "passagem divina", "lugar de nascimento". É considerado igualmente um símbolo de Shakti e de outras deusas de natureza similar nas religiões sobretudo hinduístas.
[viii] Considere-se que as práticas preliminares à meditação mais difundidas preconizam que a atenção se volte para a respiração e para as sensações no corpo, o que virtualmente implica dizer que os obstáculos não estão no corpo e sim na mente.
[ix] Segundo uma noção peculiar ao pensamento tantra mantra significaria “proteção da mente”, uma vez que impede o assédio de pensamentos alheios ao propósito de focalizar a mente em uma única sensação ou ideia através da meditação.
[x] Conhecido também como Civilização do Vale do Indo. que floresceu entre 2500 e 1900 a.C..
[xi] Mentor ou professor que possui grande entendimento da alguma linha filosófica no hinduísmo, budismo e sikhismo.
[xii] Evito a expressão iluminação deliberadamente. A palavra está, de um lado, carregada de significação alheia à cultura ocidental e, de outro, da margem a inumeráveis equívocos e ambiguidades por força de estereotipação.

domingo, 4 de dezembro de 2011

Para que serve a filosofia? E para que serve a psicanálise?

Diálogo Filosófico
       As coisas não são o que são, mas também não são o que não são - disse o professor suíço ao estudante brasileiro.
       Então, que são as coisas? - inquiriu o estudante.
       As coisas simplesmente não.
       Sem verbo?
       Claro que sem verbo. O verbo não é coisa.
       E que quer dizer coisas não?
       Quer dizer o não das coisas, se você for suficientemente atilado para percebê-lo.
       Então as coisas não têm um sim?
       O sim das coisas é o não. E o não é sem coisa. Portanto, coisa e não são a mesma coisa, ou o mesmo não.
O professor tirou do bolso uma não-barra de chocolate e comeu um pedacinho, sem oferecer outro ao aluno, porque o chocolate era não.
Carlos Drummond de Andrade

O que é Filosofia?
O ser humano é o único animal condenado, ao que parece, a pensar e a sofrer pelo pensamento. Pensar, refletir, é o fruto proibido que chegou às mãos do humano a partir do momento em que se re-conhece de modo interminável. E o conhecimento leva-nos a todos a amar o saber e admitir que nada se sabe. Um amor eterno de perseguir o intangível, inalcançável saber. Indiscutível o fato de a filosofia ser a própria manifestação da perplexidade do ser humano em face do real, do mundo.
É frequente nos perguntarmos o “o quê” e “o porquê” das coisas. Todo indivíduo é tomado de algumas ou muitas dúvidas quanto à sua vida, à sua própria existência, sua razão de viver, assim como em relação ao sentido das coisas em geral, fora de si e de uma realidade que se constitui à sua volta. Quem nunca teve dúvidas quanto à razão das coisas em geral e dúvidas quanto a certas coisas em particular? Quem nunca teve dúvidas relacionadas com as coisas em geral, aquelas que se referem a porque as coisas são assim ou assado, dessa maneira e não de outra? E aquelas que estão relacionadas à gente, a nós mesmos? Por que somos assim ou assado e por que nos comportamos dessa maneira e não de outra? Às vezes esse tipo de questionamento se dirige para a própria fé religiosa. A dúvida nestes casos pode ser oculta, ou não. Diante de reveses que nos vêm ao longo da vida somos assaltados por dúvidas quanto à existência de Deus, ou de quaisquer  divindades, ou mesmo quanto à real natureza dos desígnios deste ser supremo ou dos seres que regem nossa existência. Claro que essa crença lembra um pouco aquele gracejo que pode se ouvir de uma vendedora em uma loja qualquer e contido na frase “tem, mas está em falta”.
Acho, como achólogo que sou, que o ensino de filosofia deveria ter começo pela resposta a esse primeiro conjunto de  questões. Afinal, filosofia será que só serve ao impulso gozoso dos filósofos? É pura fruição do intelecto?
Talvez estas perguntas devam ser antecedidas de uma outra: qual o fim, o propósito, o objeto da filosofia? Para que serve a filosofia?
Para preencher esta primeira lacuna de compreensão faço opção por convencionar que a etimologia da palavra filosofia esclarece melhor que “filosofia (do grego Φιλοσοφία, literalmente «amor ao saber»)  é o estudo de problemas fundamentais relacionados ao conhecimento – algo que se busca a partir de um questionamento da razão de o homem ser, estar e existir no mundo . É claro que a partir daí uma sucessão infindável de entendimentos  e questionamentos dá origem a perguntas e respostas, muitos argumentos e inferências, surgem em séries intermináveis e em ciclos que se repetem a cada vez com feição diversa. A cadeia de questionamentos e respostas remonta à antiguidade mais remota, e não é difícil acreditar que uma tal questão tenha mesmo ocorrido a algum dos primeiros humanoides, ainda que a seu modo muito rude e primitivo, por simples ideia, uma cogitação mesmo sem a materialidade da fala ou da palavra, sob a forma de algo como  o quê..? ou de por quê...?  E acho que estas duas perguntas resumem o significado de filosofia simplesmente como método de busca do que é e do por que é.
E, como diria, dona Yvette, minha mãe (ela, outra vez), aí é que está!  O que é uma coisa diz respeito à sua essência, sua natureza – um artefato, um apetrecho, um ato, um processo. O porquê de uma coisa diz respeito à sua razão de existir, para o que serve essa coisa. Certo?
Esta busca do significado da existência de algo, ou alguém, pressupõe ser e estabelece que o indivíduo está no mundo por algum motivo e que a ele, o motivo, deve servir de um modo ou de outro. Ou não! Mas vamos partir daí.
É verdade que tudo isso é meio vago. É isso mesmo. Essa vaguidão é a origem, e seu preenchimento se constitui na fonte do esforço de compreensão do ser lato sensu. Deu origem a toda a teoria do conhecimento – ou gnoseologia, ou epistemologia, ou qualquer outra denominação pomposa que se lhe dê – e ao estudo das “causas primárias e dos princípios elementares” do conhecimento e do ser, aquilo que se chamou metafísica, e simplesmente significa para além da física, ou do físico, para além daquilo que tem materialidade.
De um modo geral esta questão começa a ser abordada de modo pouco apetente, que mal provoque ou estimule algum interesse. Quase sempre entra no desvio da busca da verdade, ou melhor, da Verdade. E aí envereda por um universo complicado de abstrações e de “logismos”, palavras ou expressões que não são neologismos por não serem propriamente novas, mas são construções próprias de um grupo profissional ou sócio-cultural – neste caso, os filósofos. Ou seja, o universo do jargão que se constitui num discurso ou fala hermética, de compreensão difícil, e que não raro resulta numa linguagem considerada por alguns estropiada, com inúmeros elementos de origens diversas, não raro formada por “estrangeirismos”, dentre os quais alguns mais exóticos de origem oriental!
A bem dizer, até certo ponto o uso de jargão acaba por se tornar necessário para benefício da síntese e da parcimônia de palavreado. Mas o fato é que esse tal palavreado sucinto e especializado torna o acesso bastante inacessível para quem não participa do grupo erudito.
Deixemos, porém, essas divagações de lado.
Há duas ramificações ou vertentes principais para onde podemos dirigir nossas preocupações – que não são de modo algum opostas ou conflitantes, mas que devem ser tratadas como são, isto é, âmbitos distintos. Embora possam muito contribuir uma para outra. Se buscamos o conhecimento em nós ou fora de nós o universo de cogitações que corresponde a estes propósitos há de ser muito, muito distinto, mas no final de cada um de seus percursos irão felizmente se encontrar. 
O conhecimento e compreensão daquilo que está fora de nós, no sentido de explicar a essência das coisas, a condição em que estamos diante do mundo, da realidade, e a própria razão de nossa existência, faz em geral com que nossas cogitações se baseiem em convicções obtidas ou conquistadas com o uso da razão, ou mesmo crenças, místicas ou não, religiosas ou não, mas crenças que têm por fundamento a fé. E se, pela fé, estivermos convencidos de existir algo ou um ser que se impõe sobre todas as coisas, esse convencimento irá requerer que nossas cogitações se baseiem na fé religiosa ou difusamente mística dessa existência. Aqui existem variações de todo tipo. Desde a convicção de algo ou um ser único, à convicção de algo imaterial e difuso que congrega forças ou, se quiser, fontes de energia que dirigem o universo, o todo e a todos. Entre um extremo e outro estão as crenças de que há mais de um ou mesmo inumeráveis seres ou forças que determinam o curso do universo e tudo nele contido.
Significa que nossas vidas são determinadas por este ou aquele ser, ou por estes ou aqueles seres. Significa que mesmo a nossas opções são determinadas e nossos desígnios são externos – e mesmo transcendem−, à nossa determinação, porque até mesmo nossas escolhas são determinadas por estes seres e forças. É esta a razão dos cultos devocionais e das oferendas como rituais de obtenção de favores, a razão primária das preces e dos sacrifícios. Isso nos colocará sob a condição de instrumentos, e não de atores de nossas vidas. E consequentemente nos retira a responsabilidade absoluta sobre nossas ações.
Neste caso a filosofia se voltará para o significado do ser supremo, das forças superiores aos desígnios humanos e à própria natureza. Este é o caminho da espiritualidade, em seu significado de conjunto total das faculdades intelectuais, quer como um princípio ou essência da vida incorpórea – como religião e tradição espiritualista da filosofia −, quer como um princípio material  − como um conjunto de leis da física e da biologia que dão origem e moldam nosso organismo. Fora do contexto religioso, "o espírito" é a "substância" dos seres humanos, a parte de nós mesmos que nos torna iguais, irmãos. Fatores como a raça ou o contexto de vida são as eventualidades, os "acidentes" que nos diferenciam. Neste sentido o termo espírito tem sido usado como sinônimo do conceito grego de pneuma[1] por Hegel, Ken Wilber e Friedrich Schelling, isto é, pura e simplesmente o sopro da vida, o sopro vital.
Há então um, digamos, outro eixo de nossas preocupações situado entre o mundo com as coisas que nele se encontram e as criaturas humanas, nós. Não um nós impessoal, mas o conjunto dos “eus”, cada um dos indivíduos em si.
Na opção de atingir o conhecimento e compreensão deste ser, estar e existir em nosso universo íntimo, em nosso universo interior,  estaremos diante de outra modalidade da filosofia que mais do que cogitada é aplicada e, por outro lado, também de grande e inegável valia para os indivíduos no trato das questões de ordem pessoal, nas questões que dizem respeito à nossa atitude diante da vida, à maneira como cotidianamente nos situamos diante do mundo. Ou, se assim quiser, como agimos e como reagimos à realidade.  Há todo um contexto erudito que aborda a questão da filosofia aplicada que eventualmente se situa no campo dos “logismos” a que me referi anteriormente.
A filosofia aplicada, claro, vem se estendendo às ideias evocadas pelos indivíduos a partir de suas vivências e que dizem respeito ao âmbito restrito dos indivíduos, ao seu universo íntimo. É uma vertente do pensamento filosófico especialmente orientada para as atitudes do ser humano, para a reflexão sobre o sentido de viver e como viver no mundo, para o julgamento do caráter e a natureza das pessoas de quem nos acercamos e nos afastamos, a quem dedicamos bons e maus sentimentos, a quem admiramos e desprezamos, de quem nos ressentimos e a quem amamos. Sob este aspecto a filosofia se aproxima dos processos mentais que compõem o nosso universo psíquico. E se confundem com ele na medida em que não apenas se confundem com estes sentimentos como também determinam nossas emoções, a maneira como nos manifestamos por causa deles.
O conhecimento do eu é uma forma de percepção da sua própria natureza. É, porém, um estágio do conhecimento que se situa para além da mera percepção da natureza do eu em si. É imperioso referir-se a. Balizar a própria natureza do ser em si em relação a. Ao que está fora, ao que é exterior e até mesmo aquilo que é estranho. Ao que é exógeno e excêntrico em relação ao eu em si.
De volta a Sócrates
Jacques Lacan propunha o retorno a Freud, de quem se fez paladino e a quem dedicou grande parte de sua vida.  Lacan, por outro lado, cunhou a frase “Socrate [est le] précurseur de l’analyse”.  Há quem faça ressalvas a esta habilitação com um jogo de palavras, por sinal, esporte predileto do próprio Lacan. Dizem alguns que Sócrates foi precursor antecipando a psicanálise sem tê-la praticado. Faço eu, pois, ressalvas à ressalva. Parece-me que o simples fato de Sócrates remeter ao aforismo “Conhece-te a ti mesmo”, colocava-se a si mesmo já em campo para fazer o seu esporte predileto: a ironia (no sentido etimológico ) de refutar incessantemente seu interlocutor na busca do significado verdadeiro das coisas e, sim, revelar o verdadeiro ser por trás das aparências, para introduzir a reflexão no mundo de opiniões.
Sócrates não pregava nem fazia apologias diretamente, sequer teorizava. Limitava-se a praticar sobretudo a crítica das opiniões que lhe levavam questionando-as. E se inclinava sobre o conhecimento do em si, o campo da conduta humana, sobre aquilo que as aparências mostram, e nelas buscar o sentido daquilo que estava oculto, por trás do revelado, e introduzia a reflexão no mundo das opiniões. Pelo que se pode depreender dos relatos de Xenofonte e, claro, Platão, o objeto de Sócrates era a busca da verdade como fundamento das ideias.
Há pelo menos uma evidência de que Sócrates enveredava pelo âmbito do pessoal ao questionar Alcebíades sobre sua habilitação para a política e a gestão da coisa pública. Contestou sua habilidade para se aperceber da justiça. Fico, portanto, com a solução de Lacan.
O que é Psicanálise?
A psicanálise, por sua vez, é um campo da ciência humana com uma natureza especulativa cujo foco principal, mas não único, é o indivíduo, o ser humano como tal ou, por outras palavras, busca discernir causas e efeitos do comportamento do homem tanto quanto promover o ajustamento do homem sobretudo a si mesmo.
É o caso de nos perguntarmos, primeiramente, se Sócrates deixou de praticar algo parecido, muito parecido. Acho que não, até por inevitável porque pode-se atribuir a Sócrates ser um chato implacável, mas não desonesto.
Em segundo lugar, cabe a pergunta de que em que medida a psicanálise se confunde com a filosofia naqueles aspectos e propósitos da tal busca da verdade, ao menos no âmbito da intimidade, do íntimo do indivíduo.
Voto decididamente com Lacan quanto à precursão de Sócrates, sem restrições.
Não é este, pois, meu foco, mas, sim, a medida em que filosofia e psicanálise se aproximam ou até mesmo se confundem, de um lado, pelo âmbito de seus questionamentos respectivos e, de outro, pela própria prática, a práxis. Claro, estou me referindo àquilo que se refere ao indivíduo por suas escolhas, suas atitudes, na sua relação com o mundo, com a realidade. Claro também, naquilo que diz respeito à busca da felicidade. Claro ainda mais, na prática que parece sugerir Sócrates.
Repete-se aqui um mesmo quadro de nossas preocupações. Se, para contrariar Fernando Pessoa, se a nossa atenção estiver voltada para as coisas do mundo, as coisas em geral, caberia perguntar, por exemplo, por que a lua e o sol, a nossa lua e o nosso sol existem, por que os seres humanos têm essa ou aquela natureza, por que a água do mar é salgada e a dos lagos é doce, por que faz frio ou calor, por que há desertos e por que há pântanos, e assim por diante.  Se olharmos para as filosofias em geral, da Hélade ou da Ásia, constamos que os questionamentos começaram por aí... E, admitamos, não há de ter sido só com aqueles ou com esses.
Claro que também podemos perguntar por que existem crueldade, desigualdade, agressividade, hostilidade, miséria, guerra, fome, e tantas outras coisas ruins, assim como podem existir coisas boas como solidariedade, caridade, compaixão, beleza, ternura, amor, alegria. Enfim, por que existem contrastes, divergências, incoerências no mundo e entre as pessoas? E desta forma, o primeiro passo para a filosofia é a inquietação que conduz ao questionamento. O objeto da filosofia é a reflexão, o uso do pensamento que permite que nos distanciemos dos fatos aparentemente comuns para buscarmos seus fundamentos. Se tomarmos o caminho do Buda Gótama, a partir da proposição contida nos quatro fundamentos do pensamento búdico, a constatação é de que sem esse distanciamento, que se traduz por equanimidade, não há como chegar seriamente a lugar algum.
É natural, pois, indagar, por exemplo, porque o ser supremo criou o mundo e a nós imperfeitos se poderia em sua suprema sabedoria criar o todo perfeito? Implicância? Pirraça? Ou para testar a nossa capacidade de bem decidir por este ou aquele carma?  Como será também propositado indagar que, diante da repulsa à corrupção, qual o papel do indivíduo, inclusive nós mesmos, a ser buscado para fazer frente a “esse estado de coisas”?  Será que o exercício da cidadania não abrange a defesa de seus direitos também como obrigação cívica, como contribuição à defesa das leis constituídas? Se nos mostramos indignados diante do desrespeito às leis por quem quer que seja por que adotamos uma atitude de tolerância, de pouco caso ou até mesmo nos poupamos das inconveniências de proteger nossos direitos por menor que seja?
Lembra que há pouco eu me referi ao fato de a filosofia se aproximar dos processos mentais que compõem o nosso universo psíquico e se confundem com ele na medida em que não apenas se confundem com estes sentimentos como também determinam nossas emoções, a maneira como nos manifestamos por causa deles?  Mas como e por que surgem esses sentimentos que tanto embaraço causam e nos levam a reações emocionais tão, tão despropositadas ou dolorosas?
Voltando a nossa atenção para o eu, por que deixamos de fazer alguma coisa da maneira certa para fazermos da maneira que sabemos ser errada? Por que reagimos de maneira impulsiva quando sabemos que melhor fazemos se adotamos uma atitude mais refletida? Por que deixamos nossas obrigações para a última hora ou o último dia e nos poupamos do atabalhoamento de resolvê-las na última instância e não em um momento qualquer anterior? Por que nos deixamos levar por tentações consumistas e nos encrencamos com dívidas no cartão de crédito? Por que comemos demais e não apenas o suficiente para nos alimentar? Por que somos capazes de abarrotar nosso armário com roupas se o que temos já mais do que nos basta?
A questão central de nossas atitudes equivocadas é o uso da irracionalidade no lugar da racionalidade. E não para aí, mas sim nas motivações de nossos impulsos. Como diz Hobbes, somente o homem tem o "privilégio do absurdo", e o que ele está querendo dizer é que somente a criatura racional pode ser irracional. Irracionalidade é um processo ou estado mental − um processo ou estado racional − que falhou e falha. Como isso é possível?  O paradoxo da irracionalidade surge a partir daquilo que está envolvido em nossas maneiras mais básicas de descrever, entender e explicar estados e eventos psicológicos.
A filosofia está presente nas ciências, nas artes, nos mitos, nas religiões, no cotidiano. Embora possamos afirmar que a filosofia esteja presente nas diversas manifestações do humano, ela não se confunde com nenhuma dessas formas de conhecimentos específicos, mas as fundamenta, senão mesmo as orienta. Dá assim origem a uma modalidade de filosofia aplicada, sim, a campos específicos do conhecimento e a criatividade humana sob a forma de preceitos e códigos de ética em todas as vertentes do conhecimento humano, desde as ciências ditas humanísticas às ciências exatas − estas hoje mais do que nunca carentes de norte para aquilo que afeta o ser humano. Desse modo surgiram ao longo do tempo segmentos desse saber como a bioética, a ética ambiental – que deu origem, por exemplo, às ideias do desenvolvimento sustentado. Essa busca de fundamentos faz da história da filosofia, como já foi dito, “uma história sem fim, porque diz respeito a todos em todas as épocas”. Por isso, é sempre oportuno reavivar a lembrança das diversas escolas do pensamento filosófico, não por simplesmente admitir que tudo já foi pensado, mas sim porque nunca é cedo ou tarde demais para filosofar, é fato. Mas também porque os tempos passados eram outros, um outro contexto, um outro ambiente com usos e costumes diversos, determinando normas de convívio diversas, desde um quadro de relações entre pessoas e nações, a um contexto tecnológico e normativo que não se repetem ao longo da história humana. Simplesmente porque houve e há, assim como haverá, algo de novo a se considerar. Há duzentos anos atrás, por exemplo, não se considerariam os efeitos da industrialização, da automação, da robótica e da internet nas relações do trabalho e entre as pessoas.
No que toca à filosofia aplicada quero me ocupar do que poderíamos chamar de filosofia existencial, ou melhor ainda, de filosofias existenciais porque existem tantas filosofias existenciais quanto há seres humanos, com suas peculiaridades, suas histórias, fantasias cultivadas e expectativas frustradas, suas amarguras, suas lembranças. E seus ressentimentos. Sim, os ressentimentos são uma parcela significativa do que constitui cada uma das filosofias existenciais, aquelas que se centram no homem, como ser individual e singular.  Sim, porque este é o âmbito da psicanálise como o é da filosofia. E é neste âmbito que tramita uma das vertentes de filosofia aplicada e muito especialmente no que se dedica a assistir os aflitos. É justamente onde se encontram filosofia e psicanálise ou, nas palavras de Lacan, a antifilosofia e a psicanálise.
Cabe aqui um parêntese.  A idéia de utilizar pensamentos ou teorias filosóficas para solucionar problemas, conflitos ou crises existenciais dos indivíduos assumiu ares de novidade, a partir de Gerd Achenbach, na Alemanha, em 1981. Ganhou denominações que lhe conferem a ideia de que é distinta da filosofia ancestral, ora sendo denominada filosofia prática, ora filosofia clínica, mas também é denominada aconselhamento filosófico, quando a rigor quando muito deveria, no meu modesto entender, denominar-se práxis filosófica e estabelecer similaridade com a prática ancestral sem lhe atribuir a pretensão de inovar. Curiosamente essa idéia encontrou ressonância na França, com Marc Sautet; nos EUA, com Lou Marinoff; no Brasil, com Lúcio Packter, e em vários outros países. Esses autores entendem que praticar a filosofia significa refletir sobre os problemas cotidianos das pessoas.  A prática pode ser conduzida sob a forma de reflexões em grupo, ou entre um “conselheiro filosófico” ou “filósofo praticante” e um paciente. No Brasil, Lúcio Packter denomina de "filósofo clínico".
O que surpreende é atribuir a natureza de novidade a essa prática, e mais ainda as manifestações de censura e repúdio da parte de terapeutas, sob a alegação de que os profissionais que a praticam não estão habilitados para diagnosticar “causas orgânicas de distúrbios”.
Claro que há críticas a essa modalidade, algumas até mesmo ferozes, assim como esta última com natureza corporativista. Procuram outros lhe retirar legitimidade por razões, não de eficácia, mas até mesmo de ordem ideológica.  A questão beira a postura inquisitorial.
Cabe aqui uma digressão. Não há dúvida alguma que a filosofia ancestral voltou-se para as questões mais elevadas que inquietaram e ainda hoje inquietam os homens. Há provas, porém, que não desconsiderou as inquietações do homem como indivíduo assediado pela aflição. O monumental elenco de citações que falam de amor, amizade, família, paternidade, aborto, suicídio, morte, inveja, honra, fraternidade, solidariedade, e tantas outras, responde pela evidência deste tipo de preocupação com a natureza e o comportamento do ser humano. A literatura ficcional, a cinematografia, a pintura e a escultura, a poesia (!), a música, enfim, as artes até mais do que as ciências nos dão mostras eloquentes desse fato. Afinal, “a obra de arte só tem valor se for fiel a seu tempo” porque como disse Picasso, Não há arte do passado nem do futuro. A arte que não é do presente jamais será arte. Não se pode, tão simplesmente, também retirar do campo da filosofia as grandes contribuições do pensamento indiano, árabe, chinês ou japonês  simplesmente por serem orientais.  Assim como também não se desprezará a importância do pensamento do guru Nanak, do Buda Gótama ou Confúcio (Kung-Fu Thze). Sempre presentes estão preocupações com a aflição, o sofrimento, a ambição, a cobiça, a luxúria.
Não há dúvida também que haverá sempre críticas por qualquer das opções que qualquer um de nós faça em relação ao que quer que seja, simplesmente porque a razão que me guia não há de ser jamais a mesma razão que guia o meu vizinho, o meu pai, o meu colega de trabalho, o meu chefe, e assim por diante.  Tal como na parábola do burro, do velho e da criança, ora o velho conduzir o burro desmontado era uma tolice, ora o burro montado pela criança era uma crueldade com o velho, ora o burro montado pelo velho era uma crueldade com a criança, ora o burro montado pela criança e pelo velho era uma crueldade com o burro. Não há como conciliar sempre com todos os pontos de vista e menos ainda com todas as culturas.
Estas mesmas críticas em alguns casos consideram que o pensamento que se volta para o indivíduo é impróprio por não levar em conta a imperiosa necessidade de o homem ser um agente de modificação da sociedade, das relações econômicas, da política e assim por diante. E o que fazer do aforismo gnōthi seauton , conhece-te a ti mesmo, nosce te ipsum? Seriam um convite à alienação? Seriam Brias de Priene, Quilon de Esparta, Heráclito, Pítaco de Mitilene, Pitágoras de Samos, Sólon de Atenas,Tales de Mileto, Sêneca, Ovídio, sem falar no próprio Sócrates, todos agentes da alienação? Há, convenhamos, um certo exagero, assim como grande desapreço pelas contribuições de pensadores à reflexão sobre a natureza humana, seus desassossegos, suas inclinações, suas criações. Sim, porque existem a filosofia do direito, a filosofia da história, a filosofia da matemática, a filosofia da economia, e assim por diante. Todas constituem o que se denomina filosofia aplicada.
E, afinal, como haverá de se sair um ser humano nesse intento de modificar, a partir de que concepções do bem e do bom, como ajuizar o outro, se em si não detém o melhor juízo da maneira como seus sentimentos são interferentes?
Basta de digressão.
Pessoalmente discordo da denominação de filosofia aplicada. Simplesmente porque não estou convencido de existir filosofia que não vise de um modo ou de outro o convencimento e a sua aplicação, a aplicação de seus princípios... Acredito tão apenas nesta divisão a que me referi, a filosofia que tem por objeto o mundo, a realidade, as coisas, e a filosofia que se volta para os indivíduos, mas sem ismos. Pessoalmente também creio que tomarmos o juízo alheio como ponto de partida não cabe. 
Fico com Sócrates e tenho a firma convicção que a resposta virá mediante a procura da verdade própria, do seu próprio eu, no interior do homem, pela maiêutica, pelo parto das ideias. Sócrates conduzia este parto em dois momentos: no primeiro estágio, Sócrates suscitava a dúvida em seus discípulos de modo sistemático mediante o processo de ironia, questionamentos contrapostos sucessivamente sobre cada argumento, ideia, conceito apresentado por seu interlocutor. Em seguida, interrogava esta pessoa para fazê-la expressar conhecimentos adormecidos. Portanto, buscava despertar noções escondidas no seu íntimo. Sócrates os levava a conceber, de si mesmos, uma nova idéia, uma nova opinião sobre o assunto em questão.
E – viva dona Yvette − aí é que está. A maiêutica (do grego μαιευτικη), tomou o seu nome da deusa Maia, que zelava pelos partos. Este método tem por origem o orfismo – prática religiosa da Grécia Antiga e do mundo helênico em geral que tomou o seu nome do poeta mítico Orfeu. O que é relevante é que a maiêutica pode ter sido proveniente de um método desenvolvido por Pitágoras de Samos que consistia de despertar o conhecimento pela prática da... catarse!
Parece familiar, não é mesmo?
É bom fazer essas constatações. É um começo. Como será que se chega lá? Uma coisa é discorrer sobre esse assunto e uma outra é fazer, certo?


[1] Pneuma (πνεύμα) é a palavra grega para sopro, e tanto em filosofia como em religião se relaciona com psique (ψυχή "espírito" ou "alma"), como na expressão "sopro de vida". Mais do que um conceito, exprime o entendimento da origem dos seres.